29 março 2024

«PORTUGAL DEVIA...»

Ontem, ao ver Miguel Poiares Maduro a mandar bitaites sobre os nomes que compunham o novo governo numa das televisões do comentário, dei-me a especular quanto às razões para que ele não fizesse parte do elenco que comentava. Poiares Maduro tem 57 anos e é um dos poucos militantes do PSD que conjuga essa idade (oportuna) com a circunstância de ter a experiência governamental de antigo ministro. São esses factores que se conjugam para que se preste atenção a opiniões suas como a manifestada acima, em Setembro de 2017 (nos tempos da geringonça), em que "Portugal devia estar a crescer acima de 3,5%". Seja como for, ficou-nos a dúvida se esta sua ausência do novo governo do PSD se deverá à ausência de um convite ou à indisponibilidade manifestada pelo próprio. Mas faria todo o sentido vê-lo a porfiar para que Portugal passasse a crescer a 3,5%, tanto mais que ele, ao contrário de outro comentadores, é dos que "não vê razão para (que um) executivo minoritário correspond(a) a instabilidade". É uma pena e espero sinceramente não estar a ser involuntariamente irónico se a considerar uma oportunidade desperdiçada por Luís Montenegro...

DIPLOMACIA DE «CASCA GROSSA»

29 de Março de 1924. Se as notícias do género da que acima se exibe ainda hoje são raras, e costumam ser protagonizadas por cavalgaduras como Donald Trump, por maioria de razão ainda eram mais raras há cem anos. E por isso merece este destaque. Em síntese, os monarcas romenos (Fernando I e Maria) haviam manifestado a intenção de realizar uma viagem por vários países europeus. Aparentemente, a Itália seria um desses países, e Benito Mussolini, armado em espertalhão (o jornal prefere a expressão «sem papas na língua»), aproveitara a ocasião para cobrar publicamente uma dívida de 113 milhões de libras que a Roménia devia à Itália. Lendo o último parágrafo da notícia percebe-se para onde pendem as simpatias do jornalista: segundo ele, a Roménia é que se devia abster de «um dispêndio enorme de dinheiro para a viagem, quando o país não tem com que pagar o que deve aos seus credores». É o tipo de argumento de quem não percebe nada de nada e que continua tão despropositado quanto estúpido ao fim de cem anos: actualizando o valor da dívida em causa, a que Mussolini pressionava publicamente os romenos a pagarem, estaríamos em presença de mais de € 7.300 milhões em valores de 2024, o que equivaleria a cerca de mil vezes as despesas incorridas com qualquer viagem real. Para além deste despropósito, as simpatias do jornalista até podiam ter ido para os romenos e para o rei Fernando I, que até era neto da nossa rainha D. Maria II. Mas não. Percebe-se perfeitamente que esta notícia nascera em Roma e o autor da notícia acima nem percebeu a envolvente, limitou-se a publicá-la em português.

28 março 2024

É SÓ UMA QUESTÃO DE (EXPLORAR A) OPORTUNIDADE...

O que é notícia nesta notícia não é o conteúdo da dita, mas a ressonância que lhe é dada por um canal (Euronews) enfeudado à comissão europeia e a Bruxelas. Estes denominados escândalos de corrupção ocorrem com costumeira regularidade por todos os países membros da União. (Vale a pena referir entre parêntesis que aquela organização misteriosa e pouco transparente, ela própria, denominada Transparência Internacional, publicou no princípio deste ano um relatório a que deu o nome de Índice das Percepções de Corrupção 2023, abrangendo os países da União Europeia. A Hungria ficou em último lugar, mas a pouca distância da Bulgária, Roménia e Grécia. Nós não demos pelo relatório porque nele Portugal aparece a meio da tabela. Se estivéssemos no fim, tínhamos dado por isso com certeza e o Paulo Morais tinha-se fartado de aparecer na televisão...) Mas, regressando ao último escândalo de corrupção na Hungria, este merece o destaque que acima se pode apreciar especialmente por ter ocorrido na Hungria, um país europeu que é dirigido pelo pária de extrema-direita Viktor Orbán. E como Orbán é detestado por Bruxelas, tudo aquilo que o embarace politicamente é bom para propagandear. Parafraseando: para quem dirige a União «Pimenta no cu do Orbán é refresco». E, já agora e falando agora do nosso caso, se lhes dermos oportunidade à malta do Ventura que acabou de chegar, também havemos de os encontrar com as mãos sujas, não se armem eles por agora em ingénuos a falar da corrupção apenas dos outros...

HENRY KISSINGER: «TUDO O QUE É DEMAIS, ENJOA»

Há cinquenta anos, a edição portuguesa da revista Selecções do Reader's Digest dedicava três páginas inteirinhas a momentos visionários, argutos e espirituosos do então secretário de Estado americano Henry Kissinger. Era a consagração do provérbio tradicional português: «Tudo o que é demais, enjoa». E para aqueles que ainda não estivessem enjoados com a magnificência do sujeito, a capa de 1 de Abril de 1974 da revista Time voltava a insistir... Nunca mais pude aturar o homem!

27 março 2024

«HE HAS A CUNNING PLAN!!!...»*

* «ELE (Montenegro) TEM UM PLANO ASTUCIOSO!!!»
Apesar de ter aparecido devidamente plantado na primeira página do Expresso deste fim de semana, a impressão que recolho dos acontecimentos de ontem e hoje na Assembleia da República, é que o plano de Montenegro tinha era afinal tão bom quanto aqueles planos astuciosos do Baldrick.

UM REVÉS DE PROPAGANDA QUE ERA SOBRETUDO O REQUIEM DOS CAÇAS FURTIVOS F-117

(Republicação)
27 de Março de 1999. Ao terceiro dia da ofensiva aérea da NATO sobre a Sérvia, estes últimos conseguem um grande golpe de propaganda ao abater um F-117 da USAF, um tipo de aparelho que fora desde sempre muito gabado pela propaganda de guerra dos Estados Unidos, por causa da capacidade do avião em causa em permanecer invisível aos radares inimigos. A reputação do aparelho virava-se agora contra a propaganda dos seus construtores, ampliando o feito dos militares sérvios. A ironia de toda esta história, como os acontecimentos posteriores virão a comprovar e como eu já expliquei, aliás, aqui no Herdeiro de Aécio, é que o F-117 fora, desde o início, um projecto - o do avião invisível aos radares - conceptualmente mais do que duvidoso. Para os críticos, uma aeronave concebida para voar sobre território inimigo não podia assentar todos os seus meios de defesa na sua condição de furtiva: estaria à mercê de que um qualquer desenvolvimento tecnológico inesperado tornasse o aparelho obsoleto. É que a obsolescência de um F-117 não se comparava à de um outro aparelho equivalente do arsenal da USAF: por causa do material em que era construído, propositadamente destinado a absorver as ondas de radar, um F-117 era extremamente caro, custava o triplo de um F-16, o aparelho de combate mais comum dessa mesma geração. A reacção dos defensores do F-117 às críticas consistiu em montar uma gigantesca operação de relações públicas militares à volta do aparelho. Foi o único aparelho de combate do arsenal dos Estados Unidos que foi promovido com uma campanha teaser: foi colocado ao serviço em segredo (1983), embora não fosse secreto que era segredo... Só em 1988 é que se tornou oficial a sua existência. E quando da Guerra do Golfo (1991) as proezas das operações realizadas por aquele tipo de aparelho tinha direito a um tratamento diferenciado. Os Estados Unidos e os restantes países que englobavam a coligação empregavam uma dúzia, senão mais, de aviões diferentes (F-14, F-15, F-16, F/A-18, B-52 - e isto apenas entre os aparelhos de origem norte-americana), mas as missões protagonizadas pelos F-117 eram objecto de um carinho noticioso que fazia lembrar o destaque que se dedica às proezas de um hipotético irmão deficiente quando em comparação com as dos irmãos saudáveis.
O significado militar do abate do F-117 de há precisamente vinte e cinco anos é que o bluff fora descoberto... E, paradoxalmente, nem fora preciso qualquer avanço tecnológico. O que foi preciso foi colocar o F-117 em combate contra um inimigo tecnologicamente qualificado, o que objectivamente não acontecera até aí. Os operadores sérvios dos misseis anti-aéreos SA-3 só se limitaram a estudar as possibilidades do equipamento de radar que tinham à sua disposição. Tratava-se de uma tecnologia - soviética - que já tinha mais de 25 anos de serviço, mas que eles usaram de uma forma imaginativa (usando um dos limites do espectro do radar) por forma a obter uma vaga imagem daquilo que supostamente seria invisível. A carcaça do avião derrubado falava por si, quanto ao sucesso do expediente. Havendo um revés óbvio (veja-se o cartaz de propaganda dos sérvios), havia contudo um revés que ainda podia ser ocultado da opinião pública. Será desnecessário acrescentar que os F-117 desapareceram imediatamente da ordem de batalha sobre os céus da Sérvia!... Os F-117 só podiam operar, por muito furtivamente que fosse, em situações de superioridade aérea absoluta. O que é um contra-senso: se a superioridade aérea é absoluta, não precisa de ser furtiva. Mas a renúncia a um fiasco também pode ser bem encenada: deram-lhe mais dez anos de vida útil, o F-117 só foi oficialmente retirado do activo em 2009, depois de 26 anos de serviço. Parece razoável, se não levarmos em consideração que aparelhos equivalentes como o F-15, o F-16 e o F/A-18 são mais antigos do que o F-117 e continuam no serviço activo mais de quarenta anos depois da sua introdução. O que é engraçado é que, como avião, o F-117 veio a revelar-se uma aeronave carismática e misteriosa, cheia de admiradores, que imaginam fantasias a seu respeito. Mas como máquina de guerra foi, desde o princípio, um fiasco, como os documentos desclassificados pelo tempo entretanto decorrido vieram comprovar: há meia dúzia de anos soube-se que em 1986 os Estados Unidos quiseram vender alguns F-117 ao Reino Unido, que não os quiseram. (Quando a aldrabice posta a circular nesse tempo era que o F-117 continha tecnologias tão secretas que os Estados Unidos não as queriam compartilhar com mais ninguém... - a verdade é que ninguém de juízo queria operar aquele fiasco anunciado)

26 março 2024

«YOU CAN'T HANDLE THE TRUTH!»

...para quem se lembre ainda do enredo do filme. A sociedade está cheia destes coronéis que consta serem excepcionais em variadíssimos aspectos, excepto quando chegamos ao momento da assumpção das suas responsabilidades como líderes.

É PRECISAMENTE PARA ISTO QUE UM CANAL TELEVISIVO DE INFORMAÇÃO SERVE...

...para mostrar uma ponte a colapsar algures no Mundo. As imagens tomam quarenta segundos e depois podem repetir-se inúmeras vezes para aqueles estúpidos que não viram bem todos os detalhes à primeira. Mas trata-se de quarenta segundos de informação visual pura, única, que não são remissíveis a explicações do Nuno Rogeiro. Em contraste com este ritmo real, o José Manuel Fernandes demora quarenta minutos a dizer aquilo que ele acha que o novo primeiro-ministro «tem de» fazer e a injustiça é que eu creio que esses disparates que ele acha também se podiam condensar nos mesmos quarenta segundos. Este é o dilema dos canais televisivos de informação, têm tempo em demasia para a informação que realmente prestam...

COMO ERA O ALGARVE HISTÓRICO DE HÁ OITENTA ANOS

26 de Março de 1944. Leia-se atentamente esta notícia de Olhão com oitenta anos, sobre a prisão de uma «numerosa quadrilha de larápios» cujas imaginativas alcunhas («Giba», «Caxita», «Belchior», «Chona», «Tripa» ou «Rabiça») nos indicam, para além de qualquer dúvida, ser composta de elementos de etnia cigana. Já era assim o Algarve histórico de há oitenta anos, mesmo antes dos problemas provocados pela chegada dos imigrantes e das soluções para tal propostas pelo partido de André Ventura. Nas eleições legislativas de dia 10 deste mês, o Chega ganhou em Olhão. O «Giba» e os seus companheiros é que já não devem fazer parte deste mundo.

25 março 2024

«A FORÇA QUE VEM DE DENTRO»

Espero que lá pela São Caetano não se esqueçam nem se descartem dos slogans que inventaram para as campanhas passadas, porque esta interna, de Novembro de 2019, foi aquela em que me parece que se produziu o slogan mais adequadamente optimista para o nosso novo primeiro-ministro: «A força que vem de dentro». De dentro porque, observando de fora, não se perspectivam grandes razões - as circunstâncias da vitória marginal, a sua própria inexperiência governamental, as actuações da presidência e/ou das oposições - para que haja grandes forças externas com que Luís Montenegro possa contar como auxílio no desempenho do cargo. A força tem mesmo que vir de dentro.

A PRISÃO DE ÁLVARO CUNHAL

Álvaro Cunhal foi preso pela PIDE na madrugada de 25 de Março de 1949 num palacete do Luso. Esta notícia do Diário de Lisboa data, porém, de 31 de Março, seis dias depois. Como se depreende pela leitura do artigo (que recomendo), o anúncio público da prisão foi precipitado por uma iniciativa dos próprios comunistas, que fizeram publicar um anúncio críptico num jornal portuense (O Primeiro de Janeiro), anunciando que Álvaro Cunhal Duarte se mudara para a rua do Heroísmo (a sede da PIDE no Porto, onde ele estava preso). Vale a pena ler o artigo no original, porque, ao contrário das versões que apareceram depois do 25 de Abril, a redacção do artigo é bastante parcimoniosa quanto à simpatia pelos protagonistas. Por exemplo, de um lado temos «o distinto Inspector Superior da PIDE, sr. capitão José Catela» que, por outro lado, «teve ensejo (...) de lamentar que se perdesse por tão ínvios caminhos um rapaz que poderia ser cidadão prestimoso» (Cunhal). Sintomático de quem seria o vencedor do momento, a inclusão do último trecho do artigo, em que se faz referência a um «comentário» de um «colega»: - «Como é que o general três pontinhos se meteu com esta gente?!» (os comunistas) O «general três pontinhos» era o general Norton de Matos que fora o candidato às eleições presidenciais de 13 de Fevereiro daquele mesmo ano e que desistira no dia anterior ao escrutínio, invocando falta de condições. Não era difícil perceber para onde, na circunstância, penderiam as simpatias do redactor em 1949. E imaginar aquilo em que se transformou este mesmo jornal dali por 25 anos!

24 março 2024

PREPARANDO O NASCIMENTO DA «BRITISH AIRWAYS»

24 de Março de 1974. Preparando o nascimento da British Airways, que seria a nova companhia aérea de bandeira britânica e que resultava da fusão da BOAC e da BEA, aparecia uma enorme campanha publicitária prévia, que também chegava à imprensa portuguesa (à esquerda). O nascimento oficial da nova companhia estava marcado para dia 31 de Março e o mesmo anúncio ir-se-ia repetir quotidianamente nas futuras edições do jornal. Para quem se dispusesse a reflectir sobre o seu significado, o gesto - decidido por um parlamento de maioria conservadora em 1971 - representava a desistência pelo Reino Unido de um modelo de organização das suas linhas aéreas correspondente às suas pretensões imperiais: uma empresa responsável pelas ligações com a Europa (BEA) e outra (BOAC) com o antigo império (Canadá, Austrália, Índia, África do Sul, etc.). As realidades do que acontecera depois de 1945 tornara aquelas pretensões obsoletas. Com a adesão à CEE, o Reino Unido apostara a fundo na integração europeia. E, como quase todos os países europeus haviam feito, com a Lufthansa, a Air France ou a Alitalia, também o Reino Unido adoptava agora o modelo de uma grande companhia aérea de bandeira.

23 março 2024

NESTE CASO DAS ESPECULAÇÕES COSMOLÓGICAS É QUE EU GOSTARIA DE ASSISTIR AOS CONTRIBUTOS DA «INTELIGÊNCIA» ARTIFICIAL

Apresentado com a chancela da NASA, este vídeo acima é uma incursão nas possibilidades de que os modelos teóricos existentes sobre cosmologia possam vir a ser revistos, alterando a nossa percepção sobre as leis que regem o Cosmos. O assunto tornou-se objecto de discussão mais premente após o lançamento, há dois anos, do JWST (conhecido também por telescópio espacial James Webb). O que está a acontecer é que várias observações do JWST têm posto em causa alguns princípios da astrofísica que se consideravam essenciais para a elaboração dos modelos cosmológicos actualmente estabelecidos (aprecie-se aqui um abstract de um caso que foi publicado há apenas três dias, de uma estrela que foi encontrada na Nuvem de Magalhães... e não devia lá estar). Esses modelos explicativos que estão a ser postos em causa assentam na existência de uma matéria escura (dark matter) e de uma energia escura (dark energy) que, não tendo sido detectados até agora, são elementos indispensáveis para as explicações actualmente aceites sobre as leis que regem o Cosmos (que haja alguma condescendência para com a simplicidade desta explicação...). Regressemos então ao vídeo inicial e à discussão que ele contém, discussão essa que incide sobre o trabalho de um académico chamado Rajendra Gupta que lecciona na Universidade de Ottawa (Canadá) e que propõe um modelo cosmológico alternativa que me parece dispensar a matéria e a energia escura. Em contrapartida, o Universo seria muito mais antigo - o dobro do tempo - do que aquilo que fora considerado até aqui (analise-se o abstract abaixo). Eu bem sei que estes serão temas que escaparão ao interesse e à compreensão de 99,99% dos leitores de blogues - e de todas as publicações de rede social, de resto. Rivalizando com o do doutor Gupta, estarão a aparecer outros modelos cosmológicos mais compatíveis com os avanços produzidos pelas observações do JWST. Mas é aqui, num assunto que mobiliza claramente o uso da inteligência, que eu gostaria de ver concretizado - na prática - o contributo da tão propalada «inteligência artificial». Fico à espera de um modelo cosmológico alternativo elaborado por uma máquina...

Não vá eu manter a convicção que, naquela expressão, a única palavra verdadeira é «artificial», o resto é uma alcunha com ressonância mediática, nivelada por aquilo que em geral, as pessoas conseguem conceber como inteligência...

PELOS VISTOS, HÁ VINTE ANOS ISRAEL JÁ HAVIA ARRUMADO O ASSUNTO DO HAMAS, «DECAPITANDO-O»...

23 de Março de 2004. Para simplicidade desta mensagem, vamo-nos descartar das questões de legitimidade e de moral que estiveram associadas ao assassinato por Israel do xeque Ahmed Yassim, fundador do Hamas. Concentremo-nos na funcionalidade do assassinato, condensada na mensagem posta a circular por Israel para se explicar perante o resto do Mundo e que aparece acima ao centro: «Israel decapita Hamas». Subentendido: foi um gesto brutal, mas um mal necessário para pôr fim à actividade terrorista de um Hamas que era assim «decapitado». Notoriamente, vinte anos decorrido estamos em condições de afirmar com toda a segurança que não pôs fim. E não terá sido anteontem que terá posto fim (ainda outra vez) ao mesmo Hamas... Os anúncios, de tão repetidos, descredibilizam-se. Visto à distância, Israel mantêm-se exactamente no mesmo sítio onde sempre esteve no que concerne às questões da segurança do seu Estado e dos seus cidadãos e, sobretudo, quanto ao problema de fundo da coexistência com os palestinianos. E no entretanto parece que os israelitas esgotaram quase todo o capital de simpatia de que gozaram durante os primeiros cinquenta anos de existência do seu Estado. Israel está cada vez mais isolado.

22 março 2024

DEDICADO EM REGISTO NOSTÁLGICO AOS CAMARADAS DA SOEIRO PEREIRA GOMES

Celebrações do 40º aniversário da Alemanha Oriental, a um mês do colapso do regime comunista local. Depois de 1989 nunca mais as coisas foram as mesmas. Em Portugal e apesar do barulho que eles se impuseram fazer logo imediatamente depois de 10 de Março («Cerca de duas centenas de delegados, dirigentes e ativistas sindicais da administração pública manifestaram-se hoje na baixa de Lisboa»), a constatação a cada eleição que passa, é que o ideal e as ilusões comunistas ortodoxas morrem mais um bocadinho. Contudo, pior do que tudo, este lento processo de definhamento tem sido feito sem qualquer dignidade, porque os comunistas se têm agarrado a todos os expedientes e até a amizades fingidas. A propósito daquilo que acabou de acontecer na Rússia (que por lá chamaram eleições presidenciais), vale a pena recordar velhos tempos (Janeiro de 2005), em que o PCP, certamente por solidariedade para com o partido irmão russo*, ainda não se havia tornado na organização incondicionalmente putinista que hoje conhecemos.
* Partido Comunista russo que entretanto, sob Putin, se terá tornado noutra memória histórica, precedendo o PCP. A Rússia actual é a demonstração acabada que uma ditadura é uma ditadura e o que é importante numa ditadura é que ela seja obediente a um ditador independentemente das razões que este último arranje para ser obedecido.

A CAUSA DA IRRITAÇÃO DE DANIELLE MITTERRAND

(Republicação)
22 de Março de 1984. Os Reagan recebem os Mitterrand para um jantar de cerimónia na Casa Branca por ocasião da visita do presidente francês aos Estados Unidos. Na fotografia protocolar que precede o acontecimento destaca-se a expressão amarrada de Danielle Mitterrand, cuja explicação só se virá a saber tempos depois e pelos circuitos informais, que, entre os oficiais, o assunto acabou sendo abafado, por conveniência mútua das partes envolvidas. Durante a estadia do casal presidencial francês em Washington D.C., o protocolo local havia arranjado uma agenda paralela para Danielle Mitterrand. Nessa programação, incluía-se um Museu ou uma outra instituição qualquer da cidade que estava estabelecida num edifício que era provido de dispositivos de segurança à porta envolvendo detectores de metais. A convidada - ou alguém por ela - explicou aos anfitriões que, por usar um equipamento de regulação cardíaca, não se devia submeter ao detector. Os anfitriões, num gesto compreensivo mas, ao mesmo tempo, bem republicano no seu igualitarismo, propuseram à visitante que, alternativamente, se deixasse revistar por uma agente feminina. E é aqui que, a tomar por boas as crónicas do incidente depois narradas, Danielle Mitterrand terá perdido alguma parte da razão, recusando a revista e fazendo finca pé no seu estatuto de convidada. Não houve visita, o programa foi cancelado, o desagrado de Madame Mitterrand ficara notado e o incidente diplomático fora registado. Rezam as crónicas que o protocolo americano aceitou os protestos da comitiva francesa... e não fez nada. Era óbvio que os americanos conheciam o estatuto de fachada do casal presidencial francês, adivinhavam a irrelevância do que os ferimentos no amor próprio de Danielle podia ter nas decisões do marido e, como se se tratasse de um bom jogo de poker, no staff da Casa Branca dispuseram-se a pagar para ver se o bluff do protesto francês era para levar a sério. Não foi levado a sério. Tudo o resto que a França desejava com aquela visita era mais sério do que uma primeira dama demasiado ciosa das suas prerrogativas. E, para voltar à fotografia acima, era essa constatação cruel e despeitada da sua insignificância que explica a expressão de Danielle Mitterrand, nesta foto com precisamente 40 anos.

21 março 2024

UMA REFLEXÃO SOBRE OS CICLOS DOS ESCÂNDALOS

Para uma reflexão sobre como se processam os ciclos dos escândalos na nossa comunicação social, convido o leitor deste blogue a começar por visitar duas páginas da edição do Público de 12 de Dezembro de 2017, vai para mais de seis anos (acima). Estava então ao rubro o escândalo de uma associação de beneficência denominada Raríssimas, vocacionada para o tratamento de crianças com deficiências raras, que fora fundada e até então dirigida por uma senhora muito dinâmica chamada Paula Brito e Costa. A senhora era mesmo dinâmica - os artigos faziam-se acompanhar de fotografias dela acompanhada pela Cavaca, pela Letícia, pelo Marcelo - mas fazer-se-ia cobrar por isso e, parecia, nem sempre das formas mais legítimas e/ou legais. Para a transformar no ogre deste escândalo com crianças, os artigos dos jornais apareciam repletos de descrições de facturas de consumos requintados suportados pela organização, detalhes que alguém com acesso à investigação lhes facultaria para que a opinião publicada compusesse devidamente a imagem da senhora: uma escroque.
Mudemo-nos agora para a edição de hoje do mesmo Público e para outras duas páginas de escândalos, onde, do lado direito, se anuncia a conclusão do julgamento da dita Paula Brito e Costa que se saldou pela sua condenação a dois anos de prisão e ao pagamento de € 12.800 à organização. Como é tradição, houve não sei quantas acusações do MP que caíram... Por uma feliz coincidência, este episódio ocorre quando está ao rubro um novíssimo escândalo, envolvendo fundos comunitários e potenciado pela circunstância de ter dois implicados que dão na TV: Manuel Serrão e Júlio Magalhães. Onde antes eram as depilações e os vestidos de Paula Brito e Costa, agora os jornais mostram-se informadíssimos sobre os luxos das contas de hotel e também o uso das contas bancárias da mãe de Manuel Serrão (acima). O público já está devidamente indignado: um (outro) escroque. Não sei se a associação foi propositada ou apenas um acaso de paginação da edição de hoje, mas o precedente do caso Raríssimas não me parece augurar nada de bom para o desfecho desta Operação Maestro.

Se hipoteticamente os prazos se repetirem - no caso da Raríssimas foram seis anos e três meses entre a eclosão do escândalo nos jornais e a conclusão do (primeiro) julgamento - deito-me a imaginar qual será a pesada sentença que o tribunal atribuirá a Manuel Serrão em Junho de 2030. Como o próprio Manuel Serrão se celebrizou televisivamente: - Diga um!!!!!»

A PRIMEIRA PARTICIPAÇÃO PORTUGUESA NO FESTIVAL DA CANÇÃO DA EUROVISÃO

21 de Março de 1964. De imagens originais do festival propriamente dito pouco resta, porque, naquela época, as bobines com as gravações eram consideradas demasiado preciosas para se desperdiçarem preservando momentos supérfluos como festivais da canção. O que está disponível é a reinterpretação da canção vencedora, a canção concorrente italiana ("Non ho l'età"), cantada por uma intérprete (Gigliola Cinquetti) que contava então apenas 16 anos. Mais interessante que isso é recordar aqui o interesse que o acontecimento despertava cá em Portugal, como se pode perceber pela extensa cobertura noticiosa que a edição do jornal desse dia lhe dava.

20 março 2024

E DEPOIS QUEM É QUE QUER QUE SE TENHA SIMPATIA POR ESTES TRASTES?...(3)

Há coisa de dois meses escrevi aqui um poste a propósito deste figurão acima (Peter Navarro), que desobedecera a uma convocatória da comissão do Congresso que investigava o assalto de 6 de Janeiro de 2021. Apanhou quatro meses de prisão. Recorreu. Perdeu o recurso e, felizmente, a resposta foi rápida. E ontem foi para a prisão cumprir a pena. Com a coreografia que as imagens documentam, mas é sempre salutar mostrar estas pessoas a entrar para os estabelecimentos prisionais para cumprirem as penas a que foram condenados. Aliás, quando se mostram coriáceos e sem sombra de arrependimento, como parece ser este o caso, até merecem que lhes dediquemos os nossos votos irónicos e sinceros para que não deixem cair o sabonete ao chão quando estiverem no duche.

COMO SE FAZ UMA NOTÍCIA A PARTIR DE UMA PASSAGEM DE UMA ENTREVISTA QUE SE SABIA À PARTIDA MEDÍOCRE

A história que precede este comentário sintetiza-se assim: Donald Trump deu uma entrevista a Nigel Farage num canal qualquer de televisão do Reino Unido do qual eu nunca tinha ouvido falar. À wikipedia só lhe falta dizer por extenso que o canal é uma merda, com vários incidentes de parcialidade descarada (ainda aqui, um video sobre o canal). O entrevistador e o entrevistado são, como demagogos, uma outra merda. E a qualidade do que dali poderia sair é uma terceira merda: além de não ser jornalista profissional e de não ter jeito, sequer, para fazer perguntas e para saber ouvir as respostas, a parcialidade de Nigel Farage por Donald Trump é mais do que conhecida - para os mais distraídos, abaixo podemos vê-lo a discursar num comício da campanha eleitoral do segundo. À primeira vista, esta parecia uma entrevista destinada àqueles trumpistas incondicionais existentes no Reino Unido (a estupidez e a admiração por estúpidos é como aquelas doenças que não se conseguem erradicar apesar da expansão da vacinação). Porém, como quase ninguém iria ver aquilo, a maneira de conferir notoriedade à banalidade é destacar uma passagem em que Donald Trump insulta um antigo primeiro-ministro australiano (Kevin Rudd) que agora é o embaixador do seu país em Washington. Na verdade, trata-se de uma retaliação: logo em Novembro de 2020, na sequência das eleições que Trump se recusou a aceitar, Rudd disse de Trump aquilo que ele considera que ele é. Opinião em que está muito bem acompanhado (onde eu me incluo). Todavia, noticiosamente este é um mundo cada vez mais peculiar: por muito que se acumulem cada vez mais pessoas a dizer o pior possível de Donald Trump isso nunca chega a ser notícia destacável; o que o é - notícia destacável - é quando Donald Trump diz mal de alguém - mesmo que isso aconteça na mais medíocre entrevista que lhe possam fazer.

Tenham lá paciência, os jornalistas deixem-se eles de merdas, mas não me convencem que isto não acontece por interesse do público (que é como os paladinos da classe costumam sempre explicar estes fenómenos inexplicáveis).